Tradutória

Reflexões sobre a Tradução. Confira aqui dicas sobre livros, internet, dicionários, tudo para ajudar o tradutor e um pouco de literatura em geral.

E-mail de atendimento.

terça-feira, junho 17, 2003


[9:00 AM]

Matéria publicada no suplemento TELEJORNAL, do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em 15 de junho de 2003.

Alhos por bugalhos (LIVIO ORICCHIO)

Anunciados como superproduções, documentários estrangeiros exibidos por canais pagos são comprometidos por falhas de tradução e dublagens mal feitas.

Num documentário sobre a tecnologia dos carros de corrida, onde mostrava-se a resistência das células de sobrevivência do piloto, exibido pelo Discovery Channel, o narrador encheu a boca para afirmar: "Christian Fittipaldi bateu a 170 km/h e feriu apenas os pés." O choque na realidade ocorreu a 170 milhas por hora, o que eleva a velocidade do impacto para 272 km/h. Em outras palavras: todos os estudos desenvolvidos para a criação de materiais resistentes a essas tensões foram jogados no lixo pelos tradutores.

Os exemplos se sucedem em profusão: "A temperatura do ar no Vale da Morte, nos Estados Unidos, é de 112 graus", divulgou o National Geographic numa das suas produções. Não seria no planeta Mercúrio em vez da Terra?, pode-se questionar. O que não pensará o diretor do documentário ao saber que os brasileiros receberam essa informação no seu filme?

Ainda no NG, no resgate de um esquiador, preso numa fenda no gelo, o auxiliar responde por rádio ao piloto do helicóptero a velocidade do vento: "Mil." Qual será a informação verdadeira? Mil o quê? "Um tubarão monitorado deixou a costa de
Nova York e foi localizado 2.340 quilômetros distante, na América do Sul. Só se a geografia do documentário, exibido pelo Discovery Channel, usa mapas próprios para calcular distâncias, já que entre Nova York e a costa brasileira há pelo menos 8 mil quilômetros.

Não bastassem os tropeços de tradução, as dublagens dos documentários são tão descuidadas que remetem o telespectador ao quadro Fuker and Sucker, do Casseta & Planeta. A primeira impressão é de que há algum erro na sintonização do canal. Afinal, produções cômicas não são comuns em emissoras com projetos didáticos como Discovery Channel e National Geographic.

É comum a seguinte constatação: um pesquisador, já de idade avançada, fala ao repórter da série. Entra então em cena o dublador do pesquisador. Não se opta por legendas. E de cara estabelece-se uma incoerência no mínimo engraçada, quando não desrespeitosa com o personagem e os telespectadores. A voz do dublador é de alguém bem mais jovem e, a fim de atingir os anos vividos pelo pesquisador, submete suas cordas vocais a contorcionismos até agressivos à inteligência
humana.

Passa-se a caricaturar os entrevistados, em geral pessoas da mais profunda formação. A cena não é muito diferente de uma criancinha recorrendo à voz grave, subtraída da imaginação, para imitar o Papai Noel ou o bicho-papão. É preciso bastante desprendimento do telespectador para ater-se à informação, se correta - há esse risco -, a deixar-se levar pela debilidade da dublagem.

Chama a atenção igualmente como são confusos por vezes os textos, não permitindo compreender o que se deseja informar. Não há como acreditar que na versão original seja assim também. É muito provável que o problema esteja na total desinformação do tradutor a respeito dos assuntos dos documentários, bem como a imperdoável falta de cuidado da empresa responsável em consultar um especialista brasileiro da área.
www.estado.estadao.com.br/suplementos


Postado por Jim |
Speak Out!



 

::Arquivos::